Esta é a dúvida que persegue os indígenas
universitários diariamente, seja nas salas de aula, nos corredores da
instituição ou pelas ruas, quando são alvos da discriminação e do
“preconceito de olhos azuis”.
Ontem, na Universidade Estadual de Feira
de Santana deu-se início ao 2º Seminário de Afro-Brasileiros e Indígenas
(8 a 10 de maio, Módulo 7, Auditório 5), um evento de grande
importância para ambos os povos em questão. O pequeno auditório esteve
lotado durante todo o dia, sendo palco de um momento único, onde
estudantes indígenas, negros e simpatizantes puderam discutir questões
sociais, políticas afirmativas e bolsas auxílios, se abrindo de coração
para expressar o seu sentimento quanto estudante “diferente”, relatando
os preconceitos vividos dentro da comunidade acadêmica, mostrando a
decepção de encontrar neste ambiente, que no mínimo deveria ter uma
maior compreensão quanto às singularidades e à diversidade cultural, o
mesmo preconceito enraizado que se encontra nas ruas.
Depois das falas da mesa e dos debates no
período da manhã, alguns estudantes indígenas Tuxá da UEFS fizeram o seu
tradicional ritual de dança, O TORÉ, passando a todos uma energia
positiva e a certeza de que, embora haja diversos problemas, a cultura
indígena e do povo Tuxá se mantém viva e expressa na garra e coragem
destes universitários.
Durante a tarde, necessariamente às 17h ,
dá-se início a mesa 4, com o tema COTIDIANO DE DISCRIMINAÇÕES DAS
IDENTIDADES NEGRA E INDÍGENA, com coordenação da Professora Patrícia
Navarro, formada pelos Estudantes Indígenas Josevan Tuxá, Fabinho Arfer
Juntá Tuxá e da Quilombola Luciene Paulo Cruz, além da presença ilustre
da Professora Maria Rosário Gonçalves de Carvalho (Etinóloga e
Coordenadora do PINEB/UFBA).
O Estudante Fabinho Tuxá apresentou os bordões mais conhecidos, que têm como escopo minimizar o Indígena, entre eles:
“Porque não está pelado? Cadê sua
oca? Você fala Tupi? Porque você tem pelos? Porque seu cabelo não é
liso? Porque não volta pro mato? Lá vocês ficam pelados? O que é isso? É
tatuagem? Lá as índias ficam peladas..? hum… Índio com celular, face…?”
Relatou também casos que ocorrem, desde o
princípio, dentro da cidade onde se localiza a aldeia Tuxá, Rodelas –
BA; casos dentro das escolas, onde os estudantes indígenas tinham de
levar sua própria cadeira, pois na instituição as cadeiras eram apenas
para os filhos de brancos, caso o índio se sentasse era imediatamente
retirado do assento; a mesma ordem permanecia com a merenda escolar, os
índios não podiam comer.
O estudante conta também uma situação
constrangedora que viveu dentro da UEFS com o estudante recém formado em
história, Junior Tuxá: eles haviam recentemente participado de um
evento com temática indígena, e estavam pintados de Jenipapo, quando
foram jantar no Restaurante Universitário, vulgo Bandejão; quando se
sentaram ao lado de uma estudante esta mudou sua feição ao vê-los,
mostrou-se meio que enojada e/ou ameaçada, se levantou imediatamente e
foi sentar-se em outro lugar.
O estudante conta este episódio com um nó
na garganta, ressentido. Fábio levanta um acontecimento muito comum a
todos os estudantes indígenas, a falta de companheiros em sala de aula
na construção de trabalhos ou seminários, fala que não entende se isto
se deve ao fato de nos julgarem menos inteligentes ou incapazes ou pelo
fato de nos verem como intrusos neste “mundo” elitista e muito “igual”; o
próprio estudante fala que, de fato, se sente um intruso dentro deste
espaço (“A universidade abriu suas portas, contudo, a forma como a
comunidade acadêmica nos trata é como se fôssemos intrusos,diz ele),
como um peixe fora da água, e termina brincando com a situação e se
mostrando indiferente às discriminações, pois reconhece-se
autossuficiente e diz: “Trabalho de grupo, ou se for de dupla, é TUPÃ E
EU” .
O Jovem universitário Josevan Tuxá dá
inicio à sua fala perguntando aos presentes qual deles nunca foi pintado
e enfeitado por penas de cartolina no dia do índio: todos (óbvio)
levantam a mão e afirmam já ter vivenciado isso.
Josevan entra no assunto de Educação e faz
um apelo para que estas coisas mudem, que a história dos indígenas seja
mais bem vista e explorada nas aulas das escolas em geral, pois
considera que esta é a única forma de dar fim à discriminação, ou seja,
se as pessoas tivessem um melhor conhecimento sobre os indígenas e
afrodescendentes, o respeito existiria. O estudante conta também um caso
que viveu dentro da Universidade, quando o professor durante a chamada,
no lugar de chamar o seu nome se direcionou a ela fazendo o famoso “uh-
uh- uh- uh”.
Existem diversos casos que comprovam o
teor Elitista desta Universidade e do desrespeito que existe às
diferenças, vindo dos estudantes e dos próprios professores, assim como
conta a estudante indígena de Enfermagem, Leidiane Atikun, que
presenciou sua professora de Anatomia falar que “Depois que se iniciou a
política de cotas, o nível da Universidade caiu bastante”; uma situação
parecida aconteceu com a estudante Brenda Tuxá, também estudante de
enfermagem, quando seu professor falou que “A Universidade Estadual de
Feira de Santana só prestou enquanto não havia a política de Cotas”.
Tal tema foi bem apresentado também pela
Quilombola Luciene, que conta as dificuldades dos jovens da sua
comunidade em ingressarem na Universidade e da dificuldade de
permanecerem aqui dentro; a mesma apresenta uma reflexão interessante:
“A universidade diz: Venham, vocês são bem-vindos, mas depois, quando
estamos aqui dentro, a fala é: A porta da rua é a serventia da casa”.
Por último a fala da professora Rosário, que reafirma muito bem tudo o
que foi dito pelos estudantes, afirmando que é preciso o respeito e uma
melhor compreensão quanto à diversidade cultural e suas singularidades.
De toda forma, as lutas e enfrentamentos
continuam, é preciso moldar a imagem nublada que a grande totalidade tem
sobre as minorias, inclusive dos homossexuais, como sugere Jackson,
negro e homossexual: “Toda discriminação é injusta e sem fundamento, e
só vai ter fim quando se tiver um maior conhecimento do outrem e
consequentemente, o respeito”.
Concluo aqui, e acredito que cada
estudante indígena que ingressa neste meio universitário é uma nova
oportunidade para romper com estas falsas ideias de que índio bom é o
índio distante, índio enfeitado na estante ou preso nas telas de um belo
quadro, pois índio bom é aquele que luta e se mostra presente!
Eduarda Arfer Juntá Tuxá
9 de maio, 2012
Feira de Santana- BA
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